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quarta-feira, 4 de novembro de 2009

Rituais delimitam as classes sociais

Aninha, aproveitando o tempo antes da equipe de reportagem chegar, aplica sua pesquisa sobre os rituais funerários em pleno dia dos finados, no cemitério do Cristo. Munida de prancheta, questionários, caneta e máquina fotográfica, nossa especialista em cemitérios quase perde seus registros quando, buscando um melhor angulo para fotografar os túmulos do local, surgem mãos que tomam sua máquina. Como era um dia movimentando, havia forte policiamento no cemitério e a polícia consegue prender o gatuno e devolve a máquina fotográfica à Aninha. Ainda bem que salvaram os registros da excitante pesquisa de Aninha que, mesmo nervosa pelo ocorrido, cedeu a seguinte entrevista:








Demarcação de espaços em cemitérios e a forma de enterrar os mortos tem relação com status.
No interior das cidades há outras cidadelas, organizadas mais ou menos como um município, com ruas, distinção de classes sociais, moradores que podem sofrer ações de despejo. São locais que demandam todos os serviços que uma cidade precisa como limpeza, iluminação, segurança, saúde, saneamento. E que também enfrentam problemas com violência, vandalismo e depredação. No entanto, os habitantes destas cidadelas estão numa condição diferente. Mortos, apenas seus ossos jazem nos cemitérios.
Um assunto não muito confortável para ser tratado, por envolver sentimentos de saudades, ausência, ou questões eternamente discutidas, a morte é a única coisa certa para todos os seres viventes. E depois de passar por uma vida onde cada um tem suas experiências e aventuras, o caixão será a morada do corpo que não respira mais.
Contudo, as informações mais intrigantes trazidas por ela provém de pesquisas realizadas para o trabalho de conclusão de curso de Geografia. Os cemitérios de João Pessoa são o foco dos estudos e conforme suas declarações, através das ornamentações dos túmulos é possível identificar uma série de pormenores a respeito da crença da pessoa enterrada e de seus familiares, da posição social, o que se estende aos hábitos dos rituais funerários da sociedade no decorrer dos tempos.

Ana Maria desenvolveu pesquisas sobre os rituais funerários na capital. Foto: Conrad Rosa

Em João Pessoa onde mais se evidenciam estes detalhes é no Cemitério Senhor da Boa Sentença que foi fundado em 1856. Ana Maria atentou para a existência de mausoléus na Alameda Principal que correspondem ao alto poder aquisitivo das famílias. Esta alameda foi tombada pelo Patrimônio Histórico há mais de 50 anos e contém estátuas e esculturas consideradas obras de arte.
Nas ruas adjacentes e laterais, as pompas vão diminuindo até chegar no ponto onde se encontram as covas rotativas, que todo o cemitério precisa disponibilizar por lei. Nesta periferia são enterradas pessoas sem condições financeiras de bancar um espaço mais nobre e após dois anos, caso os familiares não compareçam ao chamado da administração do cemitério, os restos mortais são transferidos para ossários, devidamente identificados. "É como se fosse uma ação de despejo. Se não é pago o aluguel o morador deve ser retirado para a cova ser ocupada por outro", compara Ana Maria. Se após mais dois anos não houve procura pela família, os ossos são ensacados e transferidos para um terceiro local. Daí, em dois anos depois da terceira transferência, os restos mortais são destinados como lixo hospitalar.
Como uma cidade que se preze, no Boa Sentença são realizadas manifestações religiosas, há o problema da frequência de bandidos e consumidores de drogas, são realizadas ações preventivas de combate à dengue pela prefeitura, a limpeza do local é mantida a cada aproximação de datas especiais, e muitos visitantes chegam para relembrar seus entes queridos que partiram. Segundo Ana Maria, além da missa católica feita na capela do cemitério, há um espaço destinado aos cultos africanos.
Rituais funerários

Entre os séculos XVIII e XIX, a pessoa que tinha poder aquisitivo era "solicitada" a fazer um testamento em vida para a igreja católica destinando parte de seus bens à instituição a qual, por sua vez, argumentava que determinado valor do que recebia destinava aos pobres e o restante serviria para pagar as custas do velório. Nessa época eram contratadas as carpideiras, mulheres que compareciam apenas para chorar. Também os sineiros, encarregados de tocarem o sino desde o começo até o final do enterro, e pessoas para aumentar o número de presentes, pois quanto mais frequentado o velório, mais rico representava ser o defunto.
Os sepultamentos eram feitos ao redor e no interior dos templos. Quanto maior a doação, mais próximo à nave central da igreja o corpo era enterrado. Cria-se que quanto mais perto dos santos e do altar, mais próxima a alma estaria de Deus. Os praças, (brancos pobres), índios e negros, eram enterrados do lado externo, fora do âmbito sagrado. Homens e mulheres eram separados ficando cada sexo em um lado. As mulheres em direção ao leste, pois por darem à luz, associava-se a imagem feminina ao sol nascente. Os homens ficavam no lado oposto, no poente, pois suas ações e atitudes em vida eram consideradas perversas e obscuras.
Segundo Ana Maria, tudo isso pode ser observado na Igreja da Misericórdia. São 362 anos que guardam estas e outras histórias. O cemitério na área externa da igreja ficava na Rua Duque de Caxias. Durante a construção da via os túmulos foram transferidos para o Senhor da Boa Sentença. No interior da igreja ainda há lápides no solo e nas paredes. Com o tempo as doações foram diminuindo até desaparecerem por completo.
Fonte: jornal O Norte por Marcia Dementshuk.

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